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Meu Diário
27/05/2024 23h00
A poesia (não) fez folia em minha vida

      Elogiaram minha tatuagem. Minha linha que vai do coração à mão. Expliquei “é que eu sou escritora”, mas meu rosto reagiu levantando a sobrancelha e fazendo um bico. Isso fala do desdém que tive pela frase. Sou escritora ainda? Posso ser uma escritora que não escreve? Depois de tantos anos me convencendo de que eu devia dizer em voz alta essas palavras desejadas e temidas, agora eu falo automaticamente, mesmo que isso aqui seja meu primeiro parágrafo em meses. Um ano? 

      Subi para o meu quarto pensando nas minhas tatuagens, o projeto de livro de poesia que eu estava fazendo do meu corpo, e todas elas têm a ver com essa coisa que eu decidi abandonar. Tenho uma tatuagem que diz: a poesia fez folia em minha vida. Olhei para ela e os pensamentos vieram em formato de texto, esse que vou escrever agora. Pensei “rá! Não teve folia nenhuma!” Cuidado com a tatuagem que você escolhe fazer. Quando eu escolhi essa frase eu não me dei conta do contexto de onde a conhecia.

       “Tudo era apenas uma brincadeira e de repente eu me vi assim: completamente seu”. E assim comecei minha vida com a escrita. Eu comecei a escrever para um blog, eu fui convidada para coletâneas, eu consegui que uma editora publicasse meu primeiro livro, eu comecei a dar oficinas de escrita, eu fui para a internet e quando vi minha vida girava em torno disso. “Foi quando a minha voz se fez mais forte, mais sentida, a poesia fez folia em minha vida”. Eu fui feliz escrevendo, com as pessoas acompanhando a minha dor, meu próximo poema, meu próximo projeto que eu dedicava tudo que podia e tinha o mínimo retorno. Se eu buscava afeto, eu tive. Tive algum reconhecimento. Teve movimento. Teve voz se fazendo forte. Teve folia? Eu era triste para escrever, eu era triste com vendas, eu era triste com o resultado das vendas e eu continuava firme na ilusão de que porque eu era uma apaixonada por palavra, a palavra me daria tudo. Eu fui tão longe que perdi minha palavra, perdi as palavras e por fim o que restou? Essas palavras.

          Eu fiquei muito magoada com o que fiz, por acreditar. Mas ainda tinham (e têm) as pessoas que se fazem na vida com as palavras. Tem muito escritor bom e ruim fazendo muito sucesso. Por que ali floresce o que não floresce em mim, pra mim? “Você veio me falar dessa paixão inesperada por outra pessoa”. Eu fiquei vendo as pessoas indo e eu parada. Eu perdi tudo, era tudo aflição. Onde estavam as cores? A folia? A poesia? Está com outra pessoa. Outras. Tantas. O que elas sabem que eu não sei? O que elas têm que eu não tenho? Por que meu pensamento não alcança, não chega, não vai? Por que eu sou apaixonada por isso aqui se isso não vai a lugar nenhum? Poesia é coisa de ficar parada? Guardada? Eu tatuei em mim uma coisa diferente. Eu escrevi em mim uma música sobre saudade, uma música sobre sonhos. E eu ainda tenho um em minhas mãos. A esperança é um dom que eu tenho em mim. Afinal eu ainda resolvo minhas dores de escritora escrevendo. 

 

Publicado por Letícia de Queiroz
em 27/05/2024 às 23h00
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